Em 1969 eu entrei para a universidade. E naquele mesmo ano comecei a lecionar. Era um curso de Madureza (que depois passou a ser Supletivo e hoje é EJA- Educação de Jovens e Adultos). Lembro-me direitinho da primeira aula que dei: era sobre os hebreus. Eu ainda não estudara isso na universidade, então, tratei de procurar todos os livros possíveis. Fiz resumos, enchi páginas e mais páginas de um caderno. Achei que aquele material daria para as aulas da semana inteira.

Meu primeiro susto: com 20 minutos, tudo o que eu preparara já estava dito. Comecei a suar frio e o desastre só não foi maior porque um aluno começou a me fazer perguntas sobre a Biblia e ai o papo rolou solto, até que a bendita campainha me libertou do suplício.

35 anos depois eu parei de lecionar. Olhando em retrospectiva, vejo que colecionei sucessos e fracassos, e creio que todo professor que se aposenta pode fazer o mesmo balanço.

Nesses 35 anos, a escola mudou, os alunos mudaram, eu mudei. Já tinha pensado em escrever alguma coisa a respeito. Quem sabe as experiências poderiam servir a alguém? Em alguns momentos desses 35 anos, eu lecionei (na UFMG e no UNI-BH) a disciplina de Prática de ensino de História. Acreditava que os futuros professores precisavam conhecer as várias teorias a respeito do ensino. E quando me encontrava com algum ex-aluno que estava realmente na profissão, me assustava ver que eles continuavam tradicionalíssimos, repetindo o mesmo tipo de aula que haviam tido quando eram adolescentes. Claro que havia as exceções, sempre encontrava alguém que conseguira superar e inovava.

E comecei a pensar de que serviam tantas teorias que nós apresentamos nas nossas aulas de formação de professores… e que são totalmente inaplicáveis na realidade que temos, principalmente das escolas públicas.

Que problemas enfrentamos quando começamos a lecionar? Como resolver o eterno problema da indisciplina? Como fazer os alunos gostarem de História? Como avaliar? Como são as relações com os colegas das outras disciplinas? O que vamos encontrar nos Conselhos de Classe? E por que existem tantas reuniões, absolutamente improdutivas?

Eu pensara em tudo isso, e talvez em outras coisas também, mas ainda não tivera tempo de sentar, colocar no papel tudo o que eu queria falar.

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Um amigo me libertou da angústia. Acabei de ler o “Conversas com um jovem professor”, escrito pelo Leandro Karnal. Eu havia recebido o informe da editora Contexto, dando conta do lançamento. No site, estava disponível o primeiro capítulo. Li, avidamente, e mandei um recado para o Leandro na comunidade História do Orkut:

A propósito, já tô sabendo que o novo livro saiu. Por gentileza, como você está mais perto da editora, peça ao Pinsky para me mandar um exemplar e espero te encontrar na Bienal para ganhar um autógrafo.

Mas quero ler (já li o primeiro capítulo no site) e comentar no Boletim de Historia.

E com toda a sinceridade do mundo, te digo: se os demais capítulos forem como o primeiro, você escreveu o livro que eu gostaria de ter escrito!

Pois bem, o livro chegou e eu o li todinho. Só tenho uma palavra para descrever: Admirável! O Leandro tocou no ponto chave: os professores que estão se formando precisam saber o que os espera numa escola. Ah… e o livro é para professores de todas as disciplinas, não é só para os de História não! Ele comenta, a partir de sua experiência de 30 anos de magistério, as relações entre professor e alunos, como se deve pensar a aula, como ser criativo. Fornece, em tom bem humorado, um “manual de instruções” para a relação do professor com pais, colegas e diretores. Discute como deve ser uma prova, como aplicá-la, como corrigi-la. O que fazer num Conselho de Classe onde fofocas de professores sobre alunos dão o tom (é…isso existe!), como usar a tecnologia, o eterno problema da disciplina.

Outro trecho, divertidíssimo, por sinal, diz respeito às reuniões. Eu tenho de reproduzir aqui:

Preciso dizer a você, caro e jovem professor: você passará horas sentado e ouvindo bobagens. E, quando uma decisão importante for tomada, saiba, cada um vai fazer do seu jeito. Tenho uma teoria. Coordenadores e a direção precisam cumprir horário em geral. Não são regulados pela obrigação da hora-aula. Normalmente, chegam antes dos professores retornarem das férias e cumprem plantões durante o recesso escolar. Na minha teoria conspiratória, esses chefes, coordenadores, supervisores e diretores têm raiva de tudo isto e… convocam reuniões. Reunião só pode ser uma forma de punir professores. Só isso explicaria o motivo da maioria absoluta ser mal preparada, longa, sem pauta e com decisões que não obrigam a ninguém…

E, na conclusão, ele se pergunta por que continua sendo professor. Eu me permito reproduzir um parágrafo dele:

O brilho de ser professor é a nossa relevância. Não existe sociedade sem aulas. Não é possível fazer nada no mundo sem professores. Todos os médicos, engenheiros, políticos, operários especializados foram, por alguns ou muitos anos, alunos. Todos tiveram professores. É um exército invisível. Vemos as obras prontas: o paciente curado, a máquina construída, o texto escrito e esquecemos que atrás de cada autor há um professor. Somos a malha invisível que dá coesão social. (p. 131)

Por isso, faço questão absoluta de recomendar o livro do Leandro.

E reforço a primeira impressão que tive: este é o livro que eu gostaria de ter escrito!